Mesa-redonda: Novo Regulamento F-Gas

Alexandra Costa14/06/2024
Legislação traz novos desafios a todos os intervenientes do setor. Novos equipamentos, novos riscos de segurança, novas formações e novas certificações. Alguns dos temas abordados naquele que foi o primeiro evento levado a cabo pela Revista O Instalador.
Da esquerda para a direita...

Da esquerda para a direita: Luís Graça, Sócio Gerente na FROSTLINE Climatização & Refrigeração Lda; Gil Jorge, Service Manager na Daikin Portugal; Pedro Fernandes, Coordenador comercial de equipamentos da Trane Portugal; Rúben Martins, Secretário-Técnico da APIRAC; e Alexandra Costa, diretora da revista O Instalador.

Refletir sobre o novo Regulamento F-Gas e perceber qual o impacto que este terá no setor da climatização. Esse foi o principal objetivo da mesa-redonda organizada pela Revista O Instalador, um evento que foi realizado na Tektónica, que decorreu, na Feira Internacional de Lisboa, entre os dias 2 e 5 de maio.

Este ano entrou em vigor o novo regulamento F-gas, que estabelece o regime relativo ao controlo de determinados gases fluorados com efeito de estufa. Um regulamento que afetará as empresas do setor da climatização, com especial enfoque no segmento de instalação e manutenção. Para obter diferentes perspetivas a revista convidou um representante do setor – APIRAC – dois fabricantes – Trane Portugal e Daikin Portugal – e um instalador – Frostline Climatização & Refrigeração.

“Este Regulamento traz desafios e novidades para todos os intervenientes do setor”, refletiu Rúben Martins, secretário-técnico da APIRAC, explicando que o mesmo trouxe novos desafios para a produção de fluídos – gases fluorados – como para os instaladores, com restrições na utilização desses mesmos gases fluorados. O objetivo, esclareceu o representante da APIRAC, é, segundo metas definidas pela Comissão Europeia, chegar a 2050 com quotas de gases fluorados no mercado perto de zero.

A novidade, refere Rúben Martins, prende-se com o tipo de equipamentos alocados, nomeadamente os móveis. Ou seja, o Regulamento passou a abranger dois novos grupos de equipamentos: os veículos refrigerados de pequena dimensão – por exemplo, contentores ferroviários – e as unidades de refrigeração de veículos comerciais pesados – as máquinas de agricultura, de exploração mineira, comboios metropolitanos e até as aeronaves também passaram a estar incluídos. Algo que “trouxe novos desafios para a parte de instalação e deteção de fugas”, explica Rúben Martins, que acrescenta que os técnicos têm de estar certificados para estes novos equipamentos.

A par disso secretário-técnico da APIRAC lembra que será necessário o novo Regulamento de Execução “que terá que surgir para acomodar tanto estes novos equipamentos como as novas alternativas aos gases fluorados”, acrescentando que a expetativa é que “este Regulamento de Execução, quando for implementado traga novidades sobre as exigências que vão ser aplicadas às empresas e técnicos, neste âmbito da certificação”. Há ainda um outro pormenor. Este Regulamento de Execução “tem de sair na Comissão Europeia até 12 de março de 2026 e os Estados-membros depois têm um ano para implementar programas de certificação, formação para estes novos fluídos”. No caso de Portugal o país terá de atualizar os seus programas de certificação, formação teórica e prática para as novas exigências.

Na pática o novo Regulamento também tem impacto no próprio fabrico dos equipamentos. Rúben Martins dá como exemplo o frigorífico “lá de casa” que, a partir de 2026, já não pode ter gases fluorados.

Pedro Fernandes, coordenador comercial de equipamentos da Trane Portugal

Pedro Fernandes, coordenador comercial de equipamentos da Trane Portugal.

O que dizem os fabricantes

Com uma forte componente industrial a Trane começou a preparar-se há já algo tempo. Como explica Pedro Fernandes, coordenador comercial de equipamentos da Trane Portugal, a empresa desde 2016, data em que aderiu ao Compromisso Climático Empresarial, que se está a preparar para esta transição. No decorrer dessa decisão foi criada uma gama de produtos designada de EcoWise™. Ao longo do tempo foi evoluindo e, em 2023, toda a gama está com gases DP de baixo ou ultrabaixo. “Quando falamos de refrigerantes normalmente estamos a associar tecnologias de compressor de parafuso ou levitação magnética”, refere Pedro Fernandes, acrescentando que isso implica os refrigerantes R1234ze, o R513 e o R515 e todos eles estão abaixo do valor que a nova legislação atualmente impõe. “Para chillers com capacidade superior a 12 kW o limite de GWP é 750”, explica Pedro Fernandes.

“O novo Regulamento F-Gas procurou reduzir o impacto ambiental da indústria AVAC, nomeadamente no que diz respeito às emissões de CO2”, referiu Gil Jorge, service manager na Daikin Portugal, referindo ser essa também a missão da empresa em que trabalha. Mesmo porque em 2016 assinou uma carta de intenção de se tornar neutra em emissões de carbono até 2050. “Estamos, portanto, alinhados com a política de descarbonização da União Europeia”, afirmou, acrescentando que “o caminho de descarbonização da indústria está inevitavelmente associado a alternativas que representam maiores desafios a nível de segurança para os nossos equipamentos”.

O executivo lembrou que a Daikin foi pioneira na introdução – há mais de 10 anos – de equipamentos R32, explicando que o mesmo é um refrigerante maioritariamente utilizado em equipamentos de ar condicionado de baixa e média potência térmica.

Gil Jorge, service manager na Daikin Portugal

Gil Jorge, service manager na Daikin Portugal.

Gil Jorge refere ainda que na gama residencial – onde a Daikin tem uma maior representatividade – os sistemas ar-ar do tipo split ou multisplit a quantidade de refrigerante é reduzida, pelo que não foi necessário introduzir grandes alteração aos sistemas de fabrico. Para além das inerentes à adaptação de novos fluídos com características térmicas diferentes, claro. A par disso há que ter em conta que é um fluído ligeiramente inflamável. “O mesmo se aplica aos sistemas compactos ar-água”, refere o service manager na Daikin Portugal. Quanto aos sistemas VRV – sistemas com maiores quantidades de fluído e em que o refrigerante passa a circular no interior dos edifícios – aqui a Daikin introduziu alterações significativas. No ano passado a empresa completou a sua gama de unidades VRV a funcionar com  refrigerante R32, que inclui já de série todas as medidas de segurança necessárias para garantir que o sistema cumpre com os critérios regulamentares de segurança. Desde logo o software que leva em conta volumes mínimos de espaço a climatizar e sistemas de segurança a aplicar. Entre os sistemas de segurança introduzidos e que garante que o equipamento e os consumidores estão seguros, Gil Jorge destaca os detores de refrigerante, os sistemas de alarme integrados (sonoros e visuais) e válvulas de corte, que fazem o corte e o secionamento do refrigerante para que ele não possa passar para o interior dos espaços.

O executivo da Daikin Portugal referiu ainda o refrigerante 454C como uma possível alternativa, sendo que há uma tendência para avançar para os fluídos naturais – CO2, amoníaco e os fluídos hidrocarbonetos. Dentro deste último o gás propano (ou R290 com GWP de 3) deverá ser o novo fluído frigorigéneo para os equipamentos de baixa e média potência térmica. É verdade que este é um fluído de baixa toxicidade, no entanto, alerta Gil Jorge, é muito inflamável. “Passando a usar este refrigerante nos equipamentos de ar condicionado há que introduzir alterações ao nível do fabrico”, nomeadamente nos “componentes a utilizar, as medidas de proteção incorporadas de fábrica nestas unidades” uma vez que “o contacto deste fluído com uma fonte de ignição poderá originar danos graves”.

Rúben Martins, secretário-técnico da APIRAC; e Alexandra Costa, diretora da revista O Instalador

Rúben Martins, secretário-técnico da APIRAC; e Alexandra Costa, diretora da revista O Instalador.

Mais formação e novas certificações

Os instaladores vão acompanhando a evolução, fazendo as formações e procurando acompanhar as necessidades ambientais. Esta é a opinião de Luís Graça, sócio-gerente na FROSTLINE Climatização & Refrigeração Lda, que defende um estreitar da relação entre o instalador e os fabricantes. “As marcas têm de ter uma relação estreita com o instalador”, afirma Luís Graça, a acrescentando que esta tanto pode ser económica, técnica ou de formação. Porque “formar um técnico tem um custo”. E muitas vezes “ao fim de três diz que vai ganhar mais noutro lado”.

E este é um desafio para os milhares de formadores existentes. A formação (e consequente certificação) referente ao novo Regulamento. Sobre isto Rúben Martins lembra que a APIRAC tem um centro de formação– o APIEF (Centro de Formação Profissional para a Indústria Térmica, Energia e Ambiente) -, a que se junta o CENTERM. Segundo o representante da APIRAC o APIEF já está a remodelar as instalações e preparar novos meios para dar formação aos técnicos ao nível das alternativas. “A APIRAC tem acompanhado a nível europeu o desenvolvimento deste Regulamento e já está um passo à frente”, afirma Rúben Martins, que acrescentou que “temos de esperar pelo Regulamento para ver qual são as exigências, teóricas e práticas, para depois a APIEF poder adequar os cursos de formação”.

Rúben Martins apontou ainda que o CENTERM, mesmo sem ser obrigatório, lançou a certificação dos técnicos em gases inflamáveis. Ou seja, já com o intuito e conhecimento prévio de que os fluídos iriam passar pelos hidrocarbonetos.

Significa isto que as certificações obtidas hoje deixarão de estar válidas? Não. Como explica Rúben Martins o que acontece é que os técnicos terão de fazer uma atualização de conhecimentos.

Há ainda alguma incerteza – os tais pormenores técnicos de que falava Rúben Martins – sobre o Regulamento cuja implementação entrará em vigor em 2027. Mas Pedro Fernandes garante que a Trane não irá esperar pelas datas-limite “e logo que tenhamos mais dados concretos sobre as formações que serão necessárias iremos fazer o plano de formação dos nossos técnicos, em conformidade com a legislação em vigor”. Mesmo assim, o executivo revelou que a empresa já está a preparar os técnicos para áreas que consideram que serão essenciais, nomeadamente a questão dos gases inflamáveis.

“Continuamos focados em sensibilizar, formar e informar os nossos técnicos das medidas destinadas à eficiência energética e a estar com conformidade com a legislação em vigor e a que está para vir”, acrescenta, dizendo ainda que o novo Regulamento é muito ambicioso. “Temos que reduzir até 80% o valor do GWP”, constata o executivo da Trane Portugal, pelo que “tem de haver um contributo de todos, desde fabricantes a instaladores, para atingir essas metas”.

Todos os anos a Daikin Academy recebe e forma mais de mil técnicos. Formações que, esclarece Gil Jorge, têm incidido muito na parte técnica, mas onde também se aborda a parte legal e manuseamento dos refrigerantes. O Regulamento alarga a necessidade de certificação, sendo que a introdução dos refrigerantes naturais traz novas questões de segurança. “A Daikin pretende reduzir ao mínimo o risco de lesões graves ou letais para todos os instaladores e utilizadores”, afirma Gil Jorge, acrescentando que “estamos ainda numa fase inicial, em que existem muito poucas unidades R290 no mercado, no entanto espera-se que haja uma massificação da introdução dessas unidades”. O que fará aumentar significativamente os riscos. “Precisamos de ter uma abordagem científica e sistemática à formação de todos os intervenientes que vão operar com estes equipamentos”, alerta o executivo da Daikin. Face a isto Gil Jorge aconselha vivamente que todos os instaladores façam formação específica sobre como trabalhar com estes refrigerantes.

No caso específico da Daikin Portugal, a empresa já está a trabalhar na preparação de cursos de formação para a sua rede de instaladores, para a introdução do novo gás. Cursos que, eplica Gil Jorge, estarão divididos em vários níveis e serão ministrados online e presencialmente, cobrindo todos os intervenientes da área da intervenção da Daikin. Os cursos deverão ter início antes do final do ano, a par do lançamento dos novos produtos da marca.

Luís Graça, sócio gerente na FROSTLINE Climatização & Refrigeração Lda

Luís Graça, sócio gerente na FROSTLINE Climatização & Refrigeração Lda

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